As aves da noite (peça do ano de 1968, autora Hilda Hilst.)
Texto escrito por Salomão Fonseca Gomes
Nascida
no interior de São Paulo, Hilda Hilst se
destacou em diversas áreas da literatura; a autora desenvolveu trabalhos
no campo da poesia, do romance e do teatro. Suas obras apresentam
características híbridas, encontramos em seus textos aspectos narrativos e poéticos
que colaboram para tornar Hilst uma das escritoras mais relevantes do século
XX.
Em
1950, Iniciou sua carreira literária com a obra Presságio; a autora dizia que
desde pequena, ela só queria saber de escrever;
que seu encontro com a poesia foi um encontro com ela mesma.Uma
característica bastante expressiva encontrada em sua obra é a preocupação com a
condição humana.
Dona
de uma vasta produção, a autora produziu mais de 40 títulos, transitando entre
poesia, teatro e ficção; abordando os
temas mais controversos socialmente. A autora afirmava que sua
pretensão era mostrar a difícil relação entre Deus e o homem. Hilda
Hilst foi traduzida em várias outras línguas e se tornou uma das autoras mais
importantes da língua portuguesa.
O
nosso objetivo neste trabalho é abordar a dramaturgia Hilda Hilst, período que
compreende de 1967 a 1969; precisamente As
Aves da Noite, peça de 1968. Uma peça que mistura ficção e realidade, uma
vez que a autora contextualiza a sua história no holocausto, mostrando as
torturas sofridas pelos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Em outra
perspectiva, podemos entender a peça como um alerta a censura sofrida por muitos
artistas aqui no Brasil na época da ditadura militar.
Era
os anos 60, período que ficou conhecido como os anos de chumbo no Brasil; a
vida estava sendo arrasada pela censura e a ditadura militar, a autora resolve escrever
para se comunicar com o povo, mostrar um horror e o Terrível naquela época, ela
pretende ouvir o que se passou no porão da fome.
Percebe-se
em caráter de aviso e preocupação da autora com relação ao nazismo, também o
objetivo de conscientizar as pessoas sobre a ditadura militar e o regime
totalitarista que acontecia no Brasil.
As Aves
da noite busca trabalhar o drama através da tensão, a concepção do
cenário evidencia bem a idéia. Construído no formato de cilindro de altura
variável, que dependeria da altura do teatro, dentro desse cilindro há uma
cela, com 1,90 m de altura. O público fica em volta do cilindro, no entanto,
cadeiras são isoladas por algum tipo de divisão. Em nota a autora explica:
“idealizei o cenário de As aves da noite de forma a conseguir
do espectador uma participação completa com o que se passa no interior da cela.
Quis também que o espectador sentisse total isolamento, daí as cadeiras estarem
separadas por divisões”(Hilst,2008, p. 231).
Na
peça é Trabalhando os símbolos e signos, isso justifica a necessidade da autora
com o cenário, as cadeiras e seu isolamento tinha o propósito de impactar, trazendo
para a platéia a angustia dos
prisioneiros, a idéia do publico sentir um pouco do momento histórico sofrido,
criando uma reflexão entre o desespero
e o delírio.
É
importante perceber em "As aves da
noite" uma mistura de ficção e realidade. É através de representações sociais que a
autora cria personagens que transitam entre a história real e a ficção para dar
veracidade a história.
A
peça tem início com cinco personagens presos no "porão da fome": o
joalheiro, o carcereiro, o poeta, o biólogo e o padre Maximilian. O único personagem a ter nome, pois os outros são tratados por sua
condição social. Aí está o ponto entre a realidade e a ficção, uma vez que o
padre é um personagem real, ele viveu todo o sofrimento em Auschwitz e teve seu processo de beatificação iniciado em
1948
Os
outros personagens colaboram na construção do humano, tema recorrente na obra
de Hillst. Outra característica presente em “As aves da noite” é um texto que
se estrutura entre poesia, canção e narrativa. Um artifício que colabora para
tornar a nativa flutuante, além de dar o espectador uma ideia de deslocamento
temporal: lembranças, canções, diálogos que remetem ao passado livre dos
personagens, Ideia de espaço, tempo e ambientação.
O
estudante de biologia relata uma experiência com um falcão que é obrigado a engolir um tubo de metal com
um pedaço de carne dentro, com o passar do tempo, o falcão vomita o tubo com a
carne dissolvida. Temos uma
representação do cenário da peça, um cilindro que representa o tubo digestivo e
os prisioneiros são pedaços de carne. É iniciado o conflito: "Nós somos
iguais àquela carne dos tubos", diz o Carcereiro. “Somos feitos de células
carnívoras” (p. 24). Afirmação contestada pelo padre Maximilian: "Nós
somos feitos à imagem e semelhança d'Aquele". “Mas nós temos alma” (p.
22). Percebemos o confronto carne e espírito, mais uma característica na obra
de Hilda.
Uma
mulher judia é levada a cela, onde estão todos os prisioneiros, o objetivo é
que ela faça sexo com todos eles. Ao
invés disso, ela canta e traz a ideia de esperança em Oposição a Escuridão. A
mulher trabalha separando os corpos que
ficam agarrados numa espécie de pirâmide humana, mais um exemplo das torturas
do holocausto. Ao mesmo tempo, vemos a humanidade da mulher quando demonstra
arrependimento e revela ser obrigada ao trabalho.
O
carcereiro e Maximilian são personagens antagônicos na peça, pois eles
representam o duelo entre o pessimismo e a esperança. O carcereiro é construído
a partir de um pessimismo niilista, ele faz o papel o antagonista, o homem que
usa a racionalidade para mostrar a falta de perspectiva e o quanto é a
realidade Vivenda por aqueles prisioneiros.
Por sua vez, o padre Kolbe é a representação
da Esperança, do amor ao próximo; o padre transmite a ideia de que todos podem
se regenerar, nos colocando como a imagem e semelhança de Cristo. Percebemos
isso através do sacrifício que o padre faz, ele se oferece para morrer no lugar
do prisioneiro n.5659, uma representação do sacrifício feito por Cristo.
Enigmática,
instigantes, metafísica; Hilda Hilst foi uma autora que transitou por todas as
horas e literatura. Em Sua obra encontramos a transcendência, a sexualidade, a
inquietude do ser, o amor, Deus; são algumas das sua temáticas. Em As aves da
noite percebemos o duelo entre o bem e o mal, percebemos o quanto a autora
enfatiza a difícil relação entre e homem e Deus. Nada mais atual! É
lamentável que obra de Hilda tenha se
tornado conhecida apenas por um pequeno
círculos intelectuais, pois estudar a sua obra é desafiante, porque é
através do seu universo de símbolos e signos que percebemos que homem e Deus se confundem e se unem
dentro de um mesmo universo.
Referencias
CUNHA, Rubens.
A advertência
poética de Hilda Hilst em As aves da noite. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/elbc/n50/2316-4018-elbc-50-00444.pdf
Revista Digital de
Estudos Judaicos da UFMG - Volume 1, n. 1 – out. 2007 - ISSN 1982-3053. WALDMAN,
Berta. Sobrevoando Auschwitz: As aves da noite. Disponível emhttp://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/maaravi/article/viewFile/968/1079
RODRIGUES, Éder. O TEATRO PERFORMÁTICO DE HILDA
HILST.Disponível em http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/ECAP-84VLJ2/dissertacaoderradeirapraentregar.pdf?sequence=1