sexta-feira, 12 de junho de 2020

As aves da noite (peça do ano de 1968, autora Hilda Hilst.)




As aves da noite (peça do ano de 1968, autora Hilda Hilst.)
            Texto escrito por Salomão Fonseca Gomes
Nascida no interior de São Paulo, Hilda Hilst  se destacou em diversas áreas da literatura; a autora desenvolveu  trabalhos  no campo da poesia, do romance e do teatro. Suas obras apresentam características híbridas, encontramos em seus textos aspectos narrativos e poéticos que colaboram para tornar Hilst uma das escritoras mais relevantes do século XX.

Em 1950, Iniciou sua carreira literária com a obra Presságio; a autora dizia que desde pequena, ela só queria saber de escrever;  que seu encontro com a poesia foi um encontro com ela mesma.Uma característica bastante expressiva encontrada em sua obra é a preocupação com a condição humana.

Dona de uma vasta produção, a autora produziu mais de 40 títulos, transitando entre poesia, teatro e  ficção; abordando os temas mais controversos socialmente. A autora afirmava que  sua  pretensão era mostrar a difícil relação entre Deus e o homem. Hilda Hilst foi traduzida em várias outras línguas e se tornou uma das autoras mais importantes da língua portuguesa.

O nosso objetivo neste trabalho é abordar a dramaturgia Hilda Hilst, período que compreende de 1967 a 1969; precisamente As Aves da Noite, peça de 1968. Uma peça que mistura ficção e realidade, uma vez que a autora contextualiza a sua história no holocausto, mostrando as torturas sofridas pelos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Em outra perspectiva, podemos entender a peça como um alerta a censura sofrida por muitos artistas aqui no Brasil na época da ditadura militar.

Era os anos 60, período que ficou conhecido como os anos de chumbo no Brasil; a vida estava sendo arrasada  pela censura e a  ditadura militar, a autora resolve escrever para se comunicar com o povo, mostrar um horror e o Terrível naquela época, ela pretende ouvir o que se passou no porão da fome.

Percebe-se em caráter de aviso e preocupação da autora com relação ao nazismo, também o objetivo de conscientizar as pessoas sobre a ditadura militar e o regime totalitarista  que acontecia no Brasil.

As Aves da noite busca trabalhar o drama através da tensão, a concepção do cenário evidencia bem a idéia. Construído no formato de cilindro de altura variável, que dependeria da altura do teatro, dentro desse cilindro há uma cela, com 1,90 m de altura. O público fica em volta do cilindro, no entanto, cadeiras são isoladas por algum tipo de divisão. Em nota a autora explica: “idealizei o cenário de As aves da noite de forma a conseguir do espectador uma participação completa com o que se passa no interior da cela. Quis também que o espectador sentisse total isolamento, daí as cadeiras estarem separadas por divisões”(Hilst,2008, p. 231).

Na peça é Trabalhando os símbolos e signos, isso justifica a necessidade da autora com o cenário, as cadeiras e seu isolamento tinha o propósito de impactar, trazendo para a platéia a angustia  dos prisioneiros, a idéia do publico sentir um pouco do momento histórico sofrido, criando uma reflexão entre o  desespero e  o delírio.

É importante perceber em "As  aves da noite" uma mistura de ficção e realidade. É  através de representações sociais que a autora cria personagens que transitam entre a história real e a ficção para dar veracidade a história.

A peça tem início com cinco personagens presos no "porão da fome": o joalheiro, o carcereiro, o poeta, o biólogo e o padre Maximilian.  O único personagem a ter  nome, pois os outros são tratados por sua condição social. Aí está o ponto entre a realidade e a ficção, uma vez que o padre é um personagem real, ele viveu todo o sofrimento em Auschwitz e  teve seu processo de beatificação iniciado em 1948

Os outros personagens colaboram na construção do humano, tema recorrente na obra de Hillst. Outra característica presente em “As aves da noite” é um texto que se estrutura entre poesia, canção e narrativa. Um artifício que colabora para tornar a nativa flutuante, além de dar o espectador uma ideia de deslocamento temporal: lembranças, canções, diálogos que remetem ao passado livre dos personagens, Ideia de espaço, tempo e ambientação.

O estudante de biologia relata uma experiência com um falcão  que é obrigado a engolir um tubo de metal com um pedaço de carne dentro, com o passar do tempo, o falcão vomita o tubo com a carne dissolvida.  Temos uma representação do cenário da peça, um cilindro que representa o tubo digestivo e os prisioneiros são pedaços de carne. É iniciado o conflito: "Nós somos iguais àquela carne dos tubos", diz o Carcereiro. “Somos feitos de células carnívoras” (p. 24). Afirmação contestada pelo padre Maximilian: "Nós somos feitos à imagem e semelhança d'Aquele". “Mas nós temos alma” (p. 22). Percebemos o confronto carne e espírito, mais uma característica na obra de Hilda.

Uma mulher judia é levada a cela, onde estão todos os prisioneiros, o objetivo é que ela faça  sexo com todos eles. Ao invés disso, ela canta e traz a ideia de esperança em Oposição a Escuridão. A mulher trabalha separando os corpos  que ficam agarrados numa espécie de pirâmide humana, mais um exemplo das torturas do holocausto. Ao mesmo tempo, vemos a humanidade da mulher quando demonstra arrependimento e revela ser obrigada ao trabalho.

O carcereiro e Maximilian são personagens antagônicos na peça, pois eles representam o duelo entre o pessimismo e a esperança. O carcereiro é construído a partir de um pessimismo niilista, ele faz o papel o antagonista, o homem que usa a racionalidade para mostrar a falta de perspectiva e o quanto é a realidade Vivenda por aqueles prisioneiros.

 Por sua vez, o padre Kolbe é a representação da Esperança, do amor ao próximo; o padre transmite a ideia de que todos podem se regenerar, nos colocando como a imagem e semelhança de Cristo. Percebemos isso através do sacrifício que o padre faz, ele se oferece para morrer no lugar do prisioneiro n.5659, uma representação do sacrifício feito por Cristo.

Enigmática, instigantes, metafísica; Hilda Hilst foi uma autora que transitou por todas as horas e literatura. Em Sua obra encontramos a transcendência, a sexualidade, a inquietude do ser, o amor, Deus; são algumas das sua temáticas. Em As aves da noite percebemos o duelo entre o bem e o mal, percebemos o quanto a autora enfatiza a difícil relação entre e homem e Deus. Nada mais atual! É lamentável  que obra de Hilda tenha se tornado conhecida apenas por um pequeno  círculos intelectuais, pois estudar a sua obra é desafiante, porque é através do seu universo de símbolos e signos que percebemos  que homem e Deus se confundem e se unem dentro de um mesmo universo.

Referencias



CUNHA, Rubens. A advertência poética de Hilda Hilst em As aves da noite. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/elbc/n50/2316-4018-elbc-50-00444.pdf



Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG - Volume 1, n. 1 – out. 2007 - ISSN 1982-3053. WALDMAN, Berta. Sobrevoando Auschwitz: As aves da noite. Disponível emhttp://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/maaravi/article/viewFile/968/1079

RODRIGUES, Éder. O TEATRO PERFORMÁTICO DE HILDA HILST.Disponível em http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/ECAP-84VLJ2/dissertacaoderradeirapraentregar.pdf?sequence=1








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